Stanley Kubrick, um pioneiro tecnológico

Na semana em que o histórico Stanley Kubrick celebraria oitenta e oito anos de vida, importa abordar uma faceta da sua relevância na sétima arte muitas vezes esquecida no meio do impacto emocional e narrativo dos seus filmes.

Assim, os mais distraídos não sabem que foram várias as inovações tecnológicas na indústria cinematográfica catapultadas pela vontade, empenho e perfeccionismo de Stanley Kubrick em obter o plano perfeito ou a luz ideal para cada um dos infindáveis takes de cada cena de cada um dos seus filmes. Sim, o realizador nova-iorquino era um perfeccionista como poucos e são várias as histórias em torno das suas necessidades especiais de equipamento para filmar cenas ou cenários aparentemente banais.

E foi, entre a sua teimosia e a longa pesquisa e preparação que orquestrava para cada um dos seus filmes, com faxes e chamadas telefónicas directas para as empresas do ramo (nem a NASA escapou), que Kubrick permitiu que se desenvolvessem e credibilizassem técnicas artísticas e equipamentos de ponta que ainda hoje são usados um pouco por todo o mundo.

Apresento-lhe cinco delas e desmistifico aquela que provavelmente é-lhe atribuída mais vezes… sem razão ou mérito.

Projecção Frontal

Foi em “2001: Odisseia no Espaço” que a técnica de Projecção Frontal foi utilizada pela primeira vez em grande escala numa produção cinematográfica. Usada na altura apenas no panorama televisivo – em que as diminutas dimensões do ecrã permitiam esconder pequenos defeitos – e aplicada principalmente por fotógrafos, que conseguiam numa fotografia ocultar as sombras derivadas da projecção, graças a um posicionamento estratégico do fotógrafo, a Projecção Frontal adicionou uma dimensão ultra realista a algumas cenas filmadas em estúdio, que previamente pareciam sempre falsas – quem não se lembra das perseguições automóveis em que o volante quase não mexe mas a projecção de retaguarda da parte traseira do carro oscila a uma velocidade alucinante, entre curvas e contracurvas, numa qualidade de imagem ranhosa.

Com esta técnica, Kubrick conseguiu que um homem primitivo parecesse estar mesmo numa planície africana quando, na verdade, estava num estúdio, revolucionando a indústria e provando que tal técnica era viável para a Sétima Arte. Nada fácil de gravar, é verdade – ângulos exactos precisam de ser respeitados nas filmagens, de modo a obter as sombras perfeitas na reflexão dos actores na projecção, garantindo assim a dimensão realista e não fabricada na tela -, mas possível e com resultados brilhantes.

Controlo de Movimentos

Kubrick mandou construir um equipamento especial de motion control, nunca antes feito, para as filmagens de “2001: Odisseia no Espaço”. Esse equipamento baseava-se num sistema robotizado de movimentos da máquina de filmar, que permitiam que exactamente o mesmo movimento, sem qualquer margem de desvio, pudesse ser replicado em todos os takes ou, principalmente, nas filmagens posteriores feitas para adição e tratamento de efeitos especiais.

Na altura, não existiam computadores suficientemente desenvolvidos que permitissem esta mestria e perfeccionismo à equipa de efeitos especiais, pelo que a construção deste modelo robotizado quase arcaico, mas eficaz, resultou da mesma forma que nos dias que correm, onde um simples programa informático ou computador embutido nos equipamentos de filmagem permite fazer igual.

Merchandising no Ecrã

Nos dias que correm, o chamado “product placement” dita quase o “mise en scene” de qualquer blockbuster de Hollywood. Mas em 1968, esse era um conceito completamente desconhecido e foi Stanley Kubrick o primeiro a fazer algo semelhante quando, no seu “2001: Odisseia no Espaço”, promoveu algumas empresas de forma propositada durante a narrativa, com logotipos de companhias como a IBM, a Pan-Am, os Hotéis Hilton ou a Bell Telephones a aparecerem sem qualquer censura ou cuidado na grande tela.

O objectivo deste “on-screen Merchandising”, afirmou Kubrick, era tornar um mundo e ambiente cinematográfico de ficção científica muito mais familiar, plausível e credível para o espectador. Se com isso teve algum retorno financeiro, como acontece nos dias de hoje, não se sabe. A verdade é que o que na altura foi criticado devido ao seu impacto comercial desonesto, hoje é uma necessidade da indústria, algo recorrente e fundamental para financiar muitos orçamentos. Outra verdade indiscutível, é que a IBM arrependeu-se da “parceria”, pedindo à MGM que retirasse posteriormente várias referências visuais ao seu logo do filme, defendendo-se que não tinha percebido que seria aquela ideia demoníaca em torno do HAL que seria atribuída aos computadores. Irónico, não é?

Filmar à luz das velas

Antes de “Barry Lyndon” em 1975, o problema de filmar à luz das velas nunca tinha sido resolvido. Nenhuma lente na altura tinha capacidade suficiente para conseguir filmar com qualidade aceitável um plano em que não houvesse nenhum outro ponto de luz que não o de uma vela acesa. Até que Kubrick, perfeccionista como era conhecido, e decidido a filmar uma cena à luz das velas sem qualquer tipo de luz artificial, descobriu uma lente desenhada e fabricada pela Zeiss especialmente para a NASA, agência esta que a usava (e ainda usa) em satélites para fotografias no espaço.

Com uma velocidade de fO.7 – 100% mais rápida que a lente cinematográfica mais potente da altura -, existem ainda hoje apenas dez exemplares desta lente no mundo, sendo que seis pertencem à NASA, três foram vendidas a Kubrick ao longo da sua carreira e uma está na posse da Zeiss. Foram várias as modificações que o realizador fez à lente para a adaptar ao seu material cinematográfico, mas os resultados não deixaram de ser impecáveis. Tão soberbos que Kubrick conseguiu uma patente na adaptação da lente aos equipamentos cinematográficos, tornando a técnica impossível de ser replicada por outros realizadores. E é essa uma das razões pouco conhecidas porque nenhum outro produtor de um drama histórico, tão em voga nos anos 80 e 90 do século passado, encomendou nenhuma lente do género à Zeiss.

Idealizar um filme a pensar na steadicam
Não, não foi Stanley Kubrick o primeiro a usar a agora famosa Steadicam no cinema. Esse mérito pertence ao já falecido Hal Ashby, que em 1976 a estreou em “Bound for Glory”, filme no qual David Carradine entrou na história ao inaugurar a tecnologia numa cena em que sai de um camião e passa por cerca de novecentos “extras”, contratados unicamente para esta sequência que, mesmo sem grande importância narrativa, tornou-se célebre na Sétima Arte e levou a uma vitória de um Óscar para Melhor Cinematografia.
Mas foi “The Shining” o primeiro projecto que não seria nada do que acabou por ser sem a utilização deste aparelho então revolucionário. Decidido a filmar todas as cenas tal como as tinha imaginado, Kubrick contratou o inventor da Steadicam, Garrett Brown, para o projecto e obrigou o estúdio a pagar uma pipa de massa ao cinematógrafo para que este desenhasse e construísse modificações especiais nas camaras, de modo a permitir sequências movimentadas memoráveis como a que, em “low mode” – adaptação inventada de propósito para o take do triciclo de Danny -, tornou-se aquela que é, ainda hoje, uma das imagens de marca do filme passado no Overlook Hotel.
O que Kubrick não inventou
É chavão comum ler e ouvir milhares de cinéfilos em todo o mundo atribuírem a Stanley Kubrick o título de “pai” da utilização de música clássica no cinema, culpa óbvia do impacto e efeito que a mesma teve em “2001: Odisseia no Espaço”. No entanto, aí o realizador norte-americano não foi pioneiro; antes dele já nomes grandes como Luis Buñuel em “Um Chien Andalou” (1929) ou Robert Bresson em “A Man Escaped” (1956) o haviam feito – apenas para citar alguns. Kubrick também não foi o primeiro, como alguns afirmam, a ter independência total dos estúdios para editar os seus filmes.